quinta-feira, 26 de março de 2009

Capítulo Um

Era um fim de tarde típico de outono: brisas suaves acariciando seu rosto, o cair da noite precoce e veloz, folhas se jogando dos galhos e, aquela sensação de nostalgia que o acompanhava desde a infância e, o pegava de jeito nessas noites...
Ele estava em seu carro, um Mustang 1973 conversível. Esse era o local onde mais gostava de passar o tempo e pensar na vida, seu santuário... Era nesse carro preto, com detalhes e capota em uma cor que estava entre o prata velha e o grafite, interior de couro também preto, rodas aro 21 cromadas e o melhor motor tunado para corridas que suas economias puderam pagar, que Ulrich refletia sobre seu mais novo trabalho.
Esta seria a primeira vez que ele precisaria usar um disfarce. Isso só tornava esta empreitada mais interessante, pois fugia do comum... Desta vez, ele não poderia simplesmente sair por ai com seu o confortável visual de herói de revistinhas de detetives: calça e blusas pretas, sobretudo preto, suas botas de couro e seu “peacemaker” 45, usado apenas em situações “de extrema necessidade”, como ele mesmo dizia (talvez tentando se convencer que não tinha nenhum impulso de pegá-la a cada instante de perigo).
Ulrich tinha concordado em trabalhar em conjunto com os federais dessa vez. Apesar de ser um lobo solitário e, de estar cada vez mais convencido que sua parceria com Sarah, a detetive do FBI que lhe propôs o trabalho em equipe, não lhe renderia frutos muito proveitosos. Obviamente, o fato de Sarah ter despertado nele um desejo quase animal (que ele não imaginava que fosse sentir novamente desde a trágica morte de sua doce Susan), desde a primeira troca de olhares, não teve muita influência em sua decisão. Muito menos o fato dela estar tão ávida por pegar Ethan, o bastardo responsável pelo desaparecimento de seu filho e, o mesmo canalha que entrara há muitos anos na residência de Ulrich, dando inicio ao fatídico episódio com sua esposa, que acabou com sua vidinha de trabalhador do governo, que pagava seus impostos da forma mais correta possível e, o empurrou para a vida que leva hoje.
Apesar de todos os indícios revelarem que desta vez, como há muito não fazia, estava deixando se levar por impulso; um impulso idiota chamado desejo, que torna a cabeça de um cara frio, calculista e perfeccionista como ele em um simples bolo de merda, deixando a pessoa tola; Ulrich sabia, em seu âmago, que se ele quisesse acabar com Ethan ia precisar de todo investimento que sua mais nova amiga estava prestar a lhe fazer. Por isso cedeu. Mas se engana quem pensa que ele pretendia levar a parceria até o fim. Não... O que ele queria era a grana, as armas e todos os apetrechos que lhe permitiriam uma busca mais veloz e certeira.
Agora, neste inicio de noite ele estava prestes a começar o trabalho. Levaria seu Mustang o mais longe seguro que conseguisse, próximo a uma rota de fuga que só ele conhecia e, colocaria seu disfarce.

...

Agora chovia uma chuva forte e fina, que impedia qualquer trabalhador de voltar pra casa em meios de transporte coletivos... O rádio da empresa não parava de chamar corridas, mas ele pacientemente esperava. Queria pegar a corrida certa, aquela que faria a noite valer a pena.
Estava recostado no banco de seu Palio Weekend, o cabelo lhe caía na testa, cobrindo as entradas que ele tanto temia ter quando criança. Entradas que o assemelhavam cada vez mais com seu falecido e rígido pai. Enquanto o tempo passava e a corrida perfeita não o chamava, ele fumava seu cigarro sem a menor pressa e, no rádio aquela velha e conhecida canção que trazia tantas recordações insistia em dizer que ainda existia. A canção era “The way you look tonight”, de Rod Stwert e, as recordações eram de uma menina-mulher que o conquistara com seu jeito meigo e, desfizera qualquer perspectiva que ele tinha de não entrar em relacionamentos. Com o turbilhão de memórias, veio o olhar vazio, que jamais deixava transparecer qualquer coisa, instigando seus expectadores a irem cada vez mais fundo em sua história, na tentativa de penetrar em sua alma sofrida e descobrir o que o trouxe até esse táxi, parado na esquina da 4th com a 21th.
No momento em que a música acabou o rádio da cooperativa chamou um carro próximo a 21th e, ele prontamente apertou o botão do ppt:
- “023 tempo”, disse a voz metálica do outro lado do radio.
-“Menos de cinco”, ele respondeu esperando não ter sido impaciente e impulsivo demais.
Rezando pra todo e qualquer santo em que as pessoas acreditavam, para que esta fosse a corrida que ele tanto aguardara. Seu coração palpitou. A voz metálica começara a falar novamente:
-“Cliente pede para aguardar próximo a entrada do “Le Hotel”, as 23h. Solicita também que o Sr. não buzine ou entre em contato para avisar que o aguarda e, solicita ainda que, caso ele não esteja no local no momento que o Sr. chegar para simplesmente ligar o taxímetro e aguardar. Cliente traja calças black jeans, blusa social preta e chapéu e botas de cowboy.
Estava feito! Toda sua espera não tinha sido em vão. Esta era a corrida pela qual ele passara a noite inteira esperando e, dessa vez ele tinha certeza que não deixaria a chance escapar.

...